censura ou não?

From: Elisa Sayeg (cyborg@uol.com.br)
Date: Wed Jan 19 2000 - 12:27:35 PST


  Acho que não se deve proibir o filme. Aliás, dizem que o filme não é grande coisa, então pra quê dar-se ao trabalho de chamar a atenção para o mesmo? Muita gente vai querer assistir só porque é proibido. O mesmo aconteceu com o Je Vous Salue Marie, do Goddard, que como todo filme do Goddard, é meio chato de assistir e dirigido para um público bem específico, maduro intelectualmente e que não iria mudar sua fé para um lado ou para outro só por assistir ao filme.
 
 Mas a questão é realmente espinhosa, pois o problema de liberdade de expressão vs. direito ao não vilipêndio religioso não é sempre fácil de resolver.
 
  Dada a predominância da fé católica e cristã no ocidente, tem havido uma tolerância maior para com obras que são críticas ao poder institucionalizados da mesma. É bom haver tolerância, para combater a unilateralidade. Por exemplo, Guerra Junqueiro, em "A Velhice do Padre Eterno", e recentemente, José Saramago fizeram obras críticas ou inovadoras interessantes. O "Evangelho Segundo Jesus Cristo", de Saramago, é fantástico pois esclarece o impacto que teve o cristianismo, mostra como foi diferente do mundo religioso judaico. Mas é claro que oferece uma interpretação muito particular do cristianismo, isto é, é uma representação não canônica.
 
  Acho que a cultura de livre pensamento seria prejudicada se fossem proibidas tais obras críticas ou não canônicas. Na área de filmes, há o de Buñuel, Caminho de Santiago, surrealista mas também crítico. Há o livro de Graham Greene (escritor católico) chamado Monsignor Quixote, também um livro interessante. Se essas obras tivessem sido proibidas, teríamos perdido muito. Também não acho que alguém irá perder a fé só por ler esses livros ou ver o filme de Buñuel.

    O filme Dogma talvez seja um filme menor, para o qual se está chamando a atenção de forma demasiada. O ponto que talvez tenha pego algumas pessoas é a representação de D'us por uma mulher, especificamente uma pop star. Quanto a questões de representação, não acho que vale a celeuma. O próprio Papa recentemente disse que D'us não é "um velho de barba branca". Quando no jornal Folha de S. Paulo, uma tirinha de quadrinhos representa o Transcentente por um "velho de barba branca", posso dizer que está ofendendo minha crença. Terei também o direito de impor essa proibição à Folha de S. Paulo? No limite, uma crença acaba se opondo a outra crença. Assim, uma terá que proibir as produções da outra, os livros e filmes da outra crença, e mesmo os rituais. A tolerância com crenças diferentes é que possibilitou o nascimento da liberdade de expressão, da liberdade religiosa, da liberdade de pensamento. A diversidade de religiões favorece a liberdade religiosa. Existe uma zona neutra, onde se podem discutir as crenças e representações de cada um, sem necessariamente achar que se trata de ofensa a alguma fé. Essa zona neutra, a meu ver, deve ser preservada.
 

Elisa

 



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